Vidas Secas:

  • A linguagem usada por Graciliano nesta obra também se destaca. “Foi genial. Criou uma linguagem adequada à seca
  • o narrador busca os pensamentos dentro das personagens, porque elas não exteriorizam o que pensam, nem o que sentem”. Assim, conclui Couto, Graciliano apresenta uma reflexão que vai além da questão social: trata dos aspectos psicológicos da opressão social. “A vida é seca, não só o ambiente. A vida é seca a partir de quando o homem também é”.
  • Mesmo que a miséria venha pelas condições da natureza (a seca) os homens se aproveitam dela em vez de ajudar os miseráveis.
  • Esse livro retrata fielmente a realidade brasileira. Não só da época em que o livro foi escrito, mas também nos dias de hoje, relatando situações como injustiça social, miséria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete à ideia de que o homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência.
  • Em Vidas Secas (1938), Graciliano Ramos deixa claro que as condições naturais desfavoráveis não são as únicas culpadas pela miséria humana. A família é vítima da seca, mas seus problemas vêm também da sociedade. O patrão de Fabiano representa a repressão política”, analisa Couto. O soldado amarelo, por sua vez, assume o papel da repressão das instituições, prendendo e batendo em Fabiano
  • O romance se debruça sobre a situação social brasileira no sertão nordestino ao relatar quais são as condições de vida de uma família de retirante que sofre com a constante seca e os abusos de poder dos latifundiários.
  • As personagens quase não falam, o léxico delas é bastante limitado, uma vez que não tiveram acesso à escola e à informação e ainda por viverem isoladas, sem muito convívio social
  • O livro consegue desde o título mostrar a desumanização que a seca promove nos personagens, cuja expressão verbal é tão estéril quanto o solo castigado da região. A miséria causada pela seca, como elemento natural, soma-se à miséria imposta pela influência social, representada pela exploração dos ricos proprietários da região.
  • Segundo a professora, o vestibular pode cobrar a hierarquia apresentada no livro: como por exemplo, o que representa o Soldado Amarelo e a linguagem do Tomás da bolandeira, a quem Fabiano tanto admirava. Além disso, pode ser perguntado sobre o grau de miserabilidade dessa família: a cadela chegando ao nível humano e o humano descendo à condição de animal. Esta família vaga pela caatinga tentando chegar em algum lugar, mas podem estar perdidos, andando em círculo.
  • Inicia-se com uma mudança e termina com a fuga. cíclico
  • o retrato da sacrificada luta pela sobrevivência daqueles que sofrem com a seca no nordeste
  • A estiagem que corrói a terra, levando à fome e à necessidade de migrar também domina a alma de cada um dos personagens. Eles não passam de marionetes de um grande sistema econômico do qual não conseguem escapulir e que os massacra sob diversos aspectos, da falta de dinheiro ao da carência total de perspectivas
  • Há a dimensão social da exploração e da opressão política. Há a dimensão psicológica da repressão, fazendo surgir indivíduos marcados pela introspecção. E há, por fim, a dimensão natural da seca, flagelo nordestino
  • Essa condição de quase bichos, maltratados pela vida, pobres, muitas vezes famintos e sem instrução fá-los não conseguir se comunicar com as outras pessoas.
  • Excluídos da sociedade a família de retirantes vive em um “mundo fechado” entre si. Mas mesmo no ambiente familiar não há espaço para afeto, a vida é dura, eles são duros uns com os outros. Eles não se comunicam além do básico, são quietos, com seus próprios pensamentos.
  • A incomunicabilidade do ser humano é uma questão bastante complexa que em Vidas Secas aparece ligada fortemente a problemáticas sociais, tais como a necessidade de reforma agrária e os pobres retirantes, tão característicos do nosso país.
  • Como indivíduo, Fabiano deve ser respeitado. Todavia, isso não ocorre e Fabiano, violentado na sua dignidade, privado nas suas necessidades básicas, explorado na sua miséria, amordaçado na sua miséria, amordaçado na sua revolta, é anulado como homem e forçado a buscar nos animais as qualidades necessárias para resistir à marginalização e ao isolamento.
  • Fabiano percebe que a linguagem distingue o homem. Sente que ela é fator importante para a conquista de espaço na sociedade e que dela depende o desenvolvimento da capacidade intelectual, própria do homem. Para que essa faculdade se desenvolva é necessária a organização que é dada pelo sistema linguístico, cuja apropriação se dá no meio social. A cultura que lhe é própria tem como característica o isolamento do indivíduo que, afastado da comunidade onde circulam os discursos, tem reduzida sua possibilidade de desenvolver, de modo satisfatório, sua linguagem.
  • Considerando sua dificuldade para desenvolver condições intelectuais capazes de modificar o ambiente, de transformar pelo poder da reflexão e do pensamento o meio hostil e as condições adversas de vida, ele tenta negar a linguagem para evitar o desequilíbrio, para impedir que a capacidade de perceber e pensar para além da concretude crie uma instabilidade capaz de minar a força física, ao mesmo tempo em que tenta afastar conflitos, porque no ambiente natural, ele não tem que discutir condições.
  • Enquanto esse meio restrito em que vive o sertanejo, exige dele aptidões necessárias à sobrevivência, como a força e a resistência física, no meio social essa diferença é tratada como inferioridade, o que desafia a compreensão de Fabiano, causando confusão e revolta e leva-o a um sentimento de inferioridade com relação ao homem urbano. Consciente das injustiças de que é vítima, Fabiano não se defende. Percebe que pertence a uma casta inferior cujos valores humanos, como dignidade e respeito, não são reconhecidos.
  • A solidão e o isolamento de Fabiano em relação à comunidade vão repetir-se no âmbito doméstico, onde a comunicação verbal entre os elementos do grupo apóia-se em exclamações, palavras isoladas, frases pouco compreensíveis. Cada elemento vive isoladamente, há pouca interação. O traço de união é a miséria e o destino comum de retirantes.
  • Percebe-se que mesmo quando Fabiano sonha ser um homem, ele tenta pela repetição convencer-se de que é um bicho – “Você é um bicho, Fabiano, – Um bicho, Fabiano” (p. 20 e 21), numa tentativa de inibir uma aspiração à condição de homem e reafirmar a sua força.
  • Ele procura convencer-se de que é bicho e de que deve ser essa a sua condição. Essa forma de evitar conflitos é mais uma manifestação da importância da linguagem como elemento capaz de influenciar o homem.
  • Todavia, a despeito de toda a sua limitação, Fabiano, como falante nativo, demonstra uma percepção aguçada da importância da linguagem para a convivência social. Vê nela aquilo que a Ciência Linguística procura demonstrar: um instrumento que, filtrando o real, permite o conhecimento do mundo.
  • Fabiano percebe também que: a linguagem distingue o homem; ela é um instrumento de pensar o mundo; o conhecimento depende dela e também a vida em sociedade; ela exerce um grande poder sobre os indivíduos; pode ser instrumento de dominação, de exploração; pode libertar ou oprimir.
  • A limitada linguagem de Fabiano é, assim, expressão da vida miserável e mesquinha, limitada, a que ele e os seus estão sujeitos. Uma vida que faz dele uma coisa entre outras, sem ter o direito de expressar vontades ou sentimentos
  • Durante todo o desenrolar do romance, o personagem tenta convencer-se de que é um “bicho” (sujeito forte, senhor de si), embora se sinta como um “animal” (fraco, submetido, inferior).
  • Durante todo o romance, o que se evidencia é o personagem buscando sua identidade. Nos momentos de desânimo, a tendência de integração é com o ambiente natural. Nos momentos de euforia, de melhores condições, quando a natureza dá uma trégua, Fabiano se permite, como permite à família, aspirar à condição de homem. É suficiente estarem por algum tempo afastados do perigo da seca, para sonharem. Todos sonham: Fabiano sonha ser homem, ter uma terra sua, andar de cabeça erguida como os “brancos”, matar o soldado amarelo; Sinhá Vitória sonha ter uma cama de verdade; o filho mais novo sonha entender o sentido da palavra inferno e o mais velho sonha ser vaqueiro como o pai; a cachorra Baleia sonha com um osso suculento. É tão restrito o mundo em que vivem, tão pequeno, o horizonte tão próximo, que não há imaginação sequer para sonhar, o sonho tem que caber na realidade.
  • A consciência linguística de Fabiano reduz-se às funções mais gerais da língua. Muitas vezes não consegue juntar uma sequência sonora a um conceito, um significante social ao seu significado. Da mesma maneira, não consegue unir o fator biológico ao cultural e obter uma síntese, ou seja, uma identidade humana. Em última instância, há uma dissociação de forma e conteúdo. Por não conseguir ver-se como indivíduo, não se realiza como ser social. Trabalha, produz, mas nada recebe em troca. É fruto de uma sociedade injusta, que com sua dinâmica cria seres mutilados e, assim, mantém a “indústria da seca e da fome”.
  • Isolado da comunidade linguística, nosso personagem carrega uma história em que o silêncio é uma contingência. Fabiano é fruto de um sistema de educação pragmática, cuja meta é a preservação da vida biológica. Tem certeza da inutilidade da palavra no contexto em que vive, e por isso estabelece para os filhos o mesmo padrão de comportamento verbal – evita que eles alcancem respostas para questões linguísticas que os desviariam da luta pela subsistência, obrigatória para uma perfeita adaptação ao ambiente hostil. Essa educação exclui o desenvolvimento da linguagem verbal para além dos limites em que estão confinados os personagens. Não exclui, todavia, o sonho e a perspectiva utópica de viverem num mundo no qual, tendo sua sobrevivência assegurada, lhes seria possível realizarem-se como homens e falarem a sua linguagem em igualdade de condições.
  • Vidas secas possibilita pelo menos mais duas leituras. Uma determinista, no nível da denotação, na qual o meio, a raça e a história seriam os elementos responsáveis pela situação de carência do “herói”. No nível da conotação, que responde pela atualidade da obra, pode-se interpretá-la como uma denúncia social: trata do problema do abandono do nosso homem do campo, do desenvolvimento do aparato tecnológico voltado apenas para os grandes centros industriais, enquanto se eterniza o problema da seca e do desvio das verbas destinadas aos flagelados
feb 13 2019 ∞
aug 26 2019 +