• “a vida era assim e ponto final, crescíamos com a obrigação de torná-la difícil aos outros antes que os outros a tornassem difícil para nós.”
  • “habituadas pelos livros da escola a falar com muita competência do que nunca tínhamos visto, era o invisível que nos excitava.”
  • “havia algo de insustentável nas coisas, nas pessoas, nos prédios, nas ruas, que somente reinventando tudo, como num jogo, se tornava aceitável. mas o essencial era saber jogar, e eu e ela, eu e ela apenas, sabíamos fazê-lo.”
  • “o que devia mudar, segundo ela, era sempre a mesma coisa: de pobres que éramos devíamos nos tornar ricas, do nada que tínhamos devíamos chegar ao ponto em que tivéssemos tudo.”
  • “disse: “se não há amor, não só a vida das pessoas se torna árida, mas também a das cidades”. não lembro como se expressou exatamente, mas a noção era essa, e eu a associei às nossas ruas sujas, aos jardins descuidados, ao campo arrasado por prédios novos, à violência em cada casa, em cada família.”
  • “e pensavam que o que tinha ocorrido antes era passado e, por apego à tranquilidade, davam o assunto por encerrado; e no entanto estavam dentro, dentro das coisas de antes, e nos mantinham ali dentro também, e assim, sem o saber, continuávamos o que eles eram.”
  • “havia sempre a urgência de ficar rica, isso era ponto pacífico, mas o escopo já não era o mesmo da infância: nada de cofres, nada de rebrilhar de moedas e pedras preciosas. agora parecia que, em sua cabeça, o dinheiro tinha se transformado num cimento: se consolidava, reforçava, alterava isso e aquilo.”
  • “ela era assim, rompia equilíbrios somente para ver de que outro modo poderia recompô-los.”
  • “foi o Diabo que inventou o mundo, não o Pai, o Filho e o Espírito Santo.”
  • “[...] a condição humana era tão evidentemente exposta à fúria cega do acaso que confiar em um Deus, em Jesus, no Espírito Santo — este último uma entidade de todo supérflua, estava ali somente para compor uma trindade, notoriamente mais nobre que o simples binômio pai-filho — era o mesmo que colecionar figurinhas enquanto a cidade queima no fogo do inferno.”
  • “jamais a tinha visto nua, me envergonhei. [...] naquele momento foi apenas uma tumultuosa sensação de inconveniente necessário, uma situação em que não se pode virar o rosto para o outro lado, não se pode afastar a mão sem dar a reconhecer o próprio desconcerto, sem o declarar justo ao se trair, sem portanto entrar em conflito com a imperturbada inocência de quem nos está perturbando, sem exprimir precisamente com a recusa a violenta emoção que nos abala, de modo que você se obriga a continuar ali, a deixar o olhar sobre os ombros de menino, sobre os seios de mamilos crispados, sobre os quadris estreitos e as nádegas rijas, sobre o sexo escuríssimo, sobre as pernas compridas, sobre os joelhos tenros, sobre os tornozelos arredondados, sobre os pés elegantes; e você finge como se não fosse nada, quando na verdade tudo está em ato, presente, ali no quarto pobre e um tanto escuro, a mobília miserável ao redor, sobre um piso irregular e manchado de água, e o coração se agita, e suas veias se inflamam.”
  • “a plebe éramos nós. a plebe era aquela disputa por comida misturada a vinho, aquela briga por quem era servido antes e melhor, aquele pavimento imundo sobre o qual os garçons iam e vinham, aqueles brindes cada vez mais vulgares.”
jun 29 2021 ∞
jun 15 2022 +