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(suspiro)
gostaria de ter me apaixonado perdida e irrevogavelmente por babel, pois faz algum tempo que r. f. kuang que estava no meu radar, devido aos muitos comentários positivos sobre suas obras. vendido como uma fantasia adulta com estética dark academia, babel despertou meu interesse de imediato pelo conceito de magia a ser explorado em suas páginas. fiquei encantada com a ideia de um sistema baseado em técnicas de tradução e lacunas culturais (conceituais e de comunicação). suas implicações poderiam ser ricamente exploradas nas mãos de um autor minimamente interessado em fazer arte e não em me educar. no fim, babel pouco nos apresenta de fantástico ou maduro. a expectativa, meus amigos, é a mãe da decepção.
por um lado, compreendo a desmistificação da babel ante os olhos do protagonista, e o consequente esvaziamento da magia, que não passa de mero recurso subutilizado em uma sociedade da qual robin swift jamais será parte senão como ferramenta a ser explorada até o fim de sua vida útil. todavia, “magic as language” (no caso deste livro, "language gap") é um dos meus tropos favoritos da ficção especulativa e são tantas as possibilidades de como esses sistemas de magia podem interferir na vida (tanto exterior como interior) das personagens… é incompreensível como a revolução industrial da prata acarretou em tão poucas mudanças no universo alternativo de r. f. kuang ou como fissuras e/ou abismos comunicativos (e pontes, por que não?), apesar de tangenciados, são pouco aprofundados nos conflitos das personagens. não posso evitar me sentir um pouquinho chateada por todo este potencial enorme se desperdiçar em babel.
incomoda-me, sobretudo, que a kuang subestime a capacidade de interpretação de seus leitores, emulando uma professora do jardim i que carrega as crianças pelas mãozinhas ao explicar suas lições da forma mais simplória possível. seja com notas de rodapé, adjetivos utilizados à exaustão ou inserções de uma narração onisciente que mais parece texto didático de história geral, a autora não abre margens para que tomemos nossas próprias conclusões, como se buscasse, com essa postura, evitar possíveis más interpretações de sua obra. basicamente, kuang escreve para o twitteiro médio.
é decepcionante, pois um trabalho que poderia ser desafiador e abordar seus temas (importantes, necessários) em todas suas camadas, acaba por se tornar uma repetição de obviedades nada sutis, que direcionam o leitor sobre como deve interpretar ou se sentir. o que poderia ser aprofundado, torna-se superficial, uma repetição de jargões de adolescentes com acesso a internet. e o que espero de uma literatura que se vende como “séria, para adultos”, é outra coisa. talvez o problema de babel seja o marketing? não sei.
no mais, as relações entre linguagem e estruturas de poder poderiam se refletir em personagens e relacionamentos densos, complexos, dolorosos, contraditórios (como na vida real), mas tudo se torna completamente estéril, maniqueísta e moralmente seguro nas mãos da kuang. as personagens são meros peões que servem a discursos rasos ou pior, são caricaturas. como posso sequer me importar com o destino de meras folhas de papel sulfite sem personalidade? nos embates chaves que deveriam me emocionar, não consegui me importar um mínimo com os envolvidos. não consigo comprar uma suposta relação emocionalmente conturbada entre robin, ramy, victorie e letty, ou do protagonista com seus consanguíneos, porque a autora não permite que experienciamos tais vínculos até o momento em que precisa dispor deles para vender seu ponto - quando é tarde demais para que aquelas informações façam algum sentido.
enfim, babel foi uma decepção: creio que não consigo gostar dele pelo que é, porque estou encantada pelo que poderia ter sido - e quase consegue se tornar em suas últimas páginas. é triste porque a kuang parece dispor de uma bagagem acadêmico-cultural invejável e dominar os assuntos que se propõe a tratar. poderia ter escrito uma obra prima se não reduzisse a ficção a um papel meramente educador, pois, mais do que apresentar um encadeamento de fatos, dados e/ou ideias, a ficção deveria nos permitir >vivenciar< algo. e, aqui, kuang falha miseravelmente. creio que seria mais honesto da parte dela se escrevesse um trabalho de não-ficção.