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quero escrever meus comentários sobre os irmãos karamázov (vulgo tbk) faz alguns meses, mas estava sem tempo e física/psicologicamente exausta, because of reasons. ou talvez só estivesse desperdiçando meus preciosos dias na prática do doomscrolling, vai saber. é bom lembrar que (meu deus, até parece que alguém está lendo isso aqui) não tenho pretensões de fazer uma resenha crítica, de analisar dostoiévski academicamente ou coisa assim, só quero fazer um registro da minha experiência de leitora e começo dizendo que-

é muito difícil passar incólume por essas trotocentas e tantas páginas… o fato de três (quatro) bonecos criados por um velhote russo ensandecido do século xix compartilharem o caos mental de uma jovem - não tão jovem - senhorita brasileira ensandecida do século xxi é a prova de que inexiste qualquer experiência individual no universo em que vivemos. he is just like me, fr!!!. nós, mulheres meio karamázov.

para ser sincera, tbk não foi uma leitura planejada. jamais esteve na minha tbr. na realidade, tinha, até então, um pé atrás com o dostoiévski por causa do pedantismo de uns e dos memes pós-irônicos de outros, que o colocam no patamar do metafórico filme preto e branco iraniano que raros são capazes de compreender. não sabia o que poderia acontecer quando o conhecesse. e se fosse ininteligível? e se fosse chato? e se não gostasse (como aconteceu com mrs. dalloway)? e se minha carteira de leitora fosse confiscada? enfim, besteiras minhas. ocorre, porém, que não fazia ideia do que ler depois do vazio que henry winter e cia deixaram em meu coração no ínicio do ano (ainda preciso falar sobre esses queridos!), e decidi me aventurar com o primeiro que passasse. por acaso, foi esse aqui.

e nem preciso dizer que foi uma grata surpresa.

na trama, três (quatro) meio irmãos veem-se desamparados desde suas infâncias: sob diferentes circunstâncias, todos acabam órfãos de mãe e vítimas do abandono afetivo de fyodor pavlovich (i see what you did here, dostoiévsky), e acabam sendo educados por terceiros apiedados, cada um para um lado. nascidos em uma uma rússia marcada por pela profunda desigualdade social, e que atravessava um período de efervescência política no qual floresciam as ideias que culminaram, mais tarde, no assassinato do czar, os rapazes divergem em suas formas de pensar e se relacionar com o entorno. por mais que compartilhem daddy issues, eles confrontam a herança maldita, o sangue karamázov, de modos distintos.

basicamente, esse livro aborda a questão do parricídio, não apenas como o assassinato do progenitor, mas como a morte do "papai do céu” e, até mesmo, a perda de sentido de pátria ou de pertencimento a uma ordem maior, para além da pequeneza e crueldade das injustiças mundanas, que (em tese) permitiria a experiência humana ser mais que uma mera reprodução de impulsos destrutivos ad infinitum. pois bem, dostoiévski se pergunta o que fará esse pobre homem diminuto, uma vez abandonado neste vasto universo, caótico e obscuro, que o retalha, mói e devora sem piedade? onde encontrará seu amparo? nas paixões mundanas, nos satisfações carnais? na intelectualidade, na racionalização de seus atos? em uma nova fé, em um novo projeto de coletividade? ou, por fim desamparado, cairá em desespero, enlouquecendo? vingar-se-á, derramará o sangue dos deuses? “se deus não existe, então tudo é permitido”, até mesmo o assassínio, certo?

além disso, o velhote se atormentava com a questão da maldade humana: de onde vem, para onde vai e por quê? por quê, meu deus? como escapar desse ciclo perpétuo? dessa carruagem desgovernada? penso na infelicidade que seria se dostoiévski pudesse acessar a homepage do g1 em toda sua vastidão de notícias escabrosas atualizadas diariamente. a cada hora, a cada minuto. ainda bem que ele viveu na rússia do séc. xix… oh, wait.

enfim, na visão do dostoiévski, obviamente, esse elemento “redentor da humanidade” seria seu cristianismo ortodóxico… vira e mexe, ele gasta uma boas páginas na tentativa de converter leitores incautos (passa amanhã, não tenho trocado). todavia, apesar do autor defender esse ponto, os personagens são dotados de personalidade suficiente para defender os seus, e fazer do texto um espaço de conflito em vez de um discurso de uma nota só martelada a exaustão. apesar das divergências ideológicas, as personagens estão longe de se restringirem a meras alegorias ou caricaturas pelas mãos do autor. pelo contrário, não poderiam ser mais humanos: imperfeitos, complexos, incoerentes, conflituosos e, por vezes, tempestuosos. ainda que o leitor tenha suas preferências e venha a se identificar mais com este do que com aquele, todos os karamázov expressam uma parte de nós, e por isso capturam a atenção dos leitores até os dias atuais. ♡ claro, no final, a vontade do autor prevalece: não existe neutralidade na literatura, e tudo bem. pelo menos, aqui, o trabalho é bem feito, e conseguirei carregar esses personagens no meu coraçãozinho por um vasto tempo.

no mais, não existe entretenimento maior que a tragédia humana, e os irmãos karamázov se apresenta como um delicioso transcurso por cenas lamentáveis, de modo que nem senti o passar das páginas lidas no coletivo apinhado as 6 da manhã. fico imaginando o quão deliciosa seria uma adaptação global, em formato de folhetim, como fiódor fazendo as vezes de agroempresário 171 metido com política e exploração predatória de terras para plantação de soja. dmitri, seria então um agroboy lixo, sedutor, beberrão, farrista e viciado em bet, vivido pelo galã do momento. ivan, um recém-formado bacharel em direito da federal, cheio de novas ideias na cachola, volta da capital com vistas a roubar a noiva do irmão. alyosha, um coach evangélico da geração z, escolheu esperar e se dedica a projetos sociais com crianças carentes. grushenka com look fubanga se pegando com o dmitri ao som de “dentro da hilux, ela movimenta no passinho do tuts tuts…” pai e filho disputando a mesma beldade. insultos. agressões. na reta final, o enigma: quem matou? visualizou? com uma boa direção ficará o creme de la creme, pode aposentar os remakes, rede globo.

só não consigo dar cinco estrelas porque dostoiévski fez o desfavor de falecer antes de terminar a estória, e nunca vou saber qual o destino final dos irmãos, restando-me viver de conjecturas. uma pena. a escrita do dosto, na tradução da editora 34, fluiu super bem - e como leiga no assunto, não tenho do que reclamar. trata-se de um livro denso, sim, mas não complicado, hermético. óbvio que existem camadas e camadas que talvez não tenha compreendido em uma primeira (e, quem sabe, única) leitura, mas para isso que escrevemos e trocamos ideias enquanto leitores, não?

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no oportuno, apresento-lhes um ranking da família trapo, em ordem de minha preferência: ivan karamázov you will always be famous > omg, frei malthus, hi!!! >>> dmitri (nota mental: criar uma playlist com o pior do sertanejo contemporâneo em homenagem a este homem descerebrado) >>>>> abismo >>>>> smerdyakov.

preciso expressar o quanto alyosha é perfeito, a personificação da expressão "cinamon roll too good for this world, too pure!". quero guardá-lo em um potinho e proteger de todo mal. mas o ivan... sabe, ivan karamázov não é apenas um crush literário, é meu espírito animal. ainda que não seja uma boa representação agnóstica/ateista, o tormento dele me comove. ♡

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só um adendo: é triste que não existam tantas fics m/m e f/f de uma obra com, digamos, um certo potencial, os usuários do ao3 já foram melhores. ou talvez meu cérebro já tenha derretido.

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passei uma temporada obcecada por playlists e fanarts. recomendo especialmente esse fmv ivan × smerdyakov (alerta de spoiler), feito por suteko. uma obra de arte em seu estado mais puro.

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edit. 24.11.24 https://x.com/coolie_killer/status/1860514773466546181 COMO ASSIM A NOVELA EXISTE E NINGUÉM ME AVISOU?

feb 23 2024 ∞
nov 24 2024 +